domingo, 23 de agosto de 2015

A falta de sentidos



Ninguém se atreve a explicar como começa. É quase como um mistério, você se arrisca em palpites que fazem pouco sentido ao mesmo tempo em que tenta construir na mente um caminho que lhe entregue uma resposta. Mas nada vem de graça. A verdade é que perder sentidos – pode supor e se apegar à pluralidade dessa frase – não faz sentido. O máximo que você consegue é imaginar o fim repetidamente; mas é doloroso de uma forma que, ou você acaba logo com isso ou se convence de uma saída sem glória alguma para continuar vivo: os enigmas permanecem e enganar-se a si mesmo monopoliza o pensamento. Pelo menos é o que parece. O problema dos monopólios, em geral, é que as aspirações, vontades e os poderes não existem para serem presos a um só laço ou a um só dono. A natureza é dura e ela joga contra na maior parte do tempo - não se engane com papo new hippie, a coisa é séria e te mata em dois segundos. Portanto, sempre haverão brechas e hora ou outra tudo vem contra; inclusive contra os monopólios de 'pensamentos auto-enganadores'. (…) Acho que agora fez sentido.


“Já não sabia contar os dias, mas lembrava da ultima insônia forte. Sabia que sentia-se cansado havia dias e que a ausência de reflexões em silêncio, que tanto lhe ajudam a se recompor, poderia lhe tirar um pouco mais do senso. Mas estava difícil supor que nada do que se mostra real teria forças para acabar com um momento de perda inevitável do que se chama sentir. Um olhar, uma ficha com o nome, um cumprimento ou um cartão de crédito que acusa o nome completo e nada convence. Todas as atividades no trabalho ficaram automáticas e mau executadas; perdeu o foco. Por horas esteve ao alcance da visão uma pessoa que lhe falava assuntos pessoais há dias, onde existia um comprometimento e sentia-se incrivelmente à vontade para expor falhas, derrotas, angústias. 

Aconteça o que acontecer, o que se vive de verdade é o que a vontade imprime em nossas horas de prazer. Deixar-se perder.

Não dormiu por estar assustado. O que acontece quando deita sozinho e se enxerga sozinho num mundo em que os olhos não sabem mais o que estão perdendo de enxergar? Não pensava em outra coisa. Pediu desculpas pela 'mancada'. Não se sabe ao certo que impressões deixou, mas alguma onda de atenção mútua correu pela madrugada e os sorrisos que vieram deixaram a noite acabar em sono tranquilo. Tranquilo até acordar e começar a duvidar de mais obviedades da natureza.

Dias se seguiam e nada de retomar a confiança. 'Quando confiei?'. Quem vira na rua hoje? Não sabia mais de nada, não queria mais arriscar dizer que tinha certeza. Queria ler textos de filosofia, mas já sabia que não tinha tempo – todo mundo já sabia disso, só fala disso o tempo todo. Então lembrou-se da melhor experiência em uma aula da faculdade. O professor desajeitado, cabeludo, óculos fundo de garrafa, desistente do 4º ano de medicina da USP para ser filósofo - e que desagradara ainda mais os pais colando folhas do 'Anti-Cristo' de Nietzsche nas paredes de casa - propôs colocar as mãos em três bacias com água em temperaturas diferentes até que o cérebro parasse de tentar entender o que era real e o que era outra coisa.

É como a correnteza de um rio. Acalmou-se”