O perdão deve levar os esforços e o tratamento direto ao
ponto onde o erro trouxe a fatalidade. O corte produzido pelo erro, ofensa,
ressentimento, diferenças ou fracasso, vai ocasionar novas ações e novos
desdobramentos. Essa nova série de desentendimentos e mudanças geradas pelo
ponto da fatalidade é parte do que se busca superar pelo perdão. O ato de
perdoar se tornará completo apenas quando toda a cadeia dos acontecimentos for
superada, deixando a mesma atmosfera, vigor e comportamentos no ponto anterior
ao corte. Esse esquecimento completo e absoluto se materializará na
continuidade e desenvolvimento dos fatos vividos ao ponto antecessor da fusão.
Entende-se com isso, os porquês do perdão não encontrar
significados reais nas palavras, mas sim nas ações. As palavras de perdão podem
carregar significados dispersos que não conduzem à superação do problema. A
respeito disso, devemos destacar a configuração enraizada no pensamento cristão
ocidental, onde o estímulo exacerbado ao perdão é amplamente difundido. A
situação de pressão social incentiva o uso de palavras que podem satisfazer
essa moral, mas não cura o que, de fato, se propõe. Ou seja, pode direcionar à
um vício, onde o ato se coloca como necessário aos praticantes,
independentemente do que se tenha ocorrido. Obviamente, um perdão sem
entendimento da carga transportada consigo, fará com que novas consequências
negativas, com a chance de se mostrarem mais aprofundadas no corte fatal
inicial, surjam e desboquem na ambivalência da proximidade física e edificação do inferno, tanto pessoal,
ao se ver vivendo preso em suas próprias mágoas não resolvidas, como
direcionado ao próximo, submetendo-o a constantes agressões, as quais, podem
ser construídas inconscientemente, mas que resultarão em processos racionais,
que tomam conta do labor da reflexão: os
pensamentos incessantes sobre as consequencias, as reações, as projeções, os
desfechos, entre outros. Esses fatores levados ao extremo pelo pensamento
paralisam ações, visto que o desequilíbrio gerado já está deslocado da direção
onde se encontra o erro ou o corte fatal, imerso nas consequencias geradas pelo
não entendimento do que se está a perdoar e não aponta para a superação.
Entender o que se procura perdoar se torna fundamental para
que o ato se torne real. O entendimento
e a percepção de que essa busca trará um fim benéfico, tanto para quem perdoa,
como para o perdoado, ou para os sujeitos que se encontram em ambas as
posições, precisa ser visualizado de forma clara. É nesse ponto onde se inserem
as perspectivas do destino, pois em muitos casos será preciso construir
conjuntamente o perdão, considerando seu objetivo de deixar as portas abertas
às futuras vivências, que devem caminhar separadas do ponto fatal passado.
Logo, o ato de perdoar será uma tentativa de viver um futuro não traumático em
que os envolvidos se sintam compensados pelo esforço do perdão. É com as
compensações que se constrói um futuro. Se um objeto importante é quebrado ou
extraviado, o compensar se dá em torno da reposição em medidas de igual valor.
O mesmo se dá com relações afetivas, onde a moeda de troca se constitui valores
como fidelidade, dedicação, prazer, alegria, conforto e proteção. Se não há
valores envolvidos, a importância foi perdida em algum lugar do passado. Logo,
a compensação não será sentida e vivida, o que tomará por força o sentido da
reconciliação e as perspectivas se farão ausentes. Essa é a grande diferença de
um perdão por afetos e por danos materiais. As pessoas necessitam de
perspectivas que lhe dêem sentidos concretos para continuar no esforço e na
construção, enquanto um dano material pode ser reposto imediatamente. Por isso,
considerar os benefícios na reconciliação, somente em partes, tratando de
pontos que não envolvem o conjunto dos desencadeamentos, ou ainda somente atentando
aos pontos que dizem respeito à si próprio, não dará chances para a
reconstituição e possíveis melhorias. Mais uma vez, é preciso lembrar que não
se perdoa por se perdoar, ou seja, não se faz disso um acordo banal baseado na
moral cristã, quando, de fato, a necessidade sincera sentida no interior e
refletida nas ações, comportamentos e ações externas, é a motriz dessa busca.
Se os fatos são relevantes, a busca deve ser séria na superação dos problemas. Perdoar
significa doar-se de todo coração. O perdão é estar livre de amarras, é estar
pronto a tentar novamente.