quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Sobre o perdão


O perdão deve levar os esforços e o tratamento direto ao ponto onde o erro trouxe a fatalidade. O corte produzido pelo erro, ofensa, ressentimento, diferenças ou fracasso, vai ocasionar novas ações e novos desdobramentos. Essa nova série de desentendimentos e mudanças geradas pelo ponto da fatalidade é parte do que se busca superar pelo perdão. O ato de perdoar se tornará completo apenas quando toda a cadeia dos acontecimentos for superada, deixando a mesma atmosfera, vigor e comportamentos no ponto anterior ao corte. Esse esquecimento completo e absoluto se materializará na continuidade e desenvolvimento dos fatos vividos ao ponto antecessor da fusão.  

Entende-se com isso, os porquês do perdão não encontrar significados reais nas palavras, mas sim nas ações. As palavras de perdão podem carregar significados dispersos que não conduzem à superação do problema. A respeito disso, devemos destacar a configuração enraizada no pensamento cristão ocidental, onde o estímulo exacerbado ao perdão é amplamente difundido. A situação de pressão social incentiva o uso de palavras que podem satisfazer essa moral, mas não cura o que, de fato, se propõe. Ou seja, pode direcionar à um vício, onde o ato se coloca como necessário aos praticantes, independentemente do que se tenha ocorrido. Obviamente, um perdão sem entendimento da carga transportada consigo, fará com que novas consequências negativas, com a chance de se mostrarem mais aprofundadas no corte fatal inicial, surjam e desboquem na ambivalência da proximidade física e edificação do inferno, tanto pessoal, ao se ver vivendo preso em suas próprias mágoas não resolvidas, como direcionado ao próximo, submetendo-o a constantes agressões, as quais, podem ser construídas inconscientemente, mas que resultarão em processos racionais, que tomam conta  do labor da reflexão: os pensamentos incessantes sobre as consequencias, as reações, as projeções, os desfechos, entre outros. Esses fatores levados ao extremo pelo pensamento paralisam ações, visto que o desequilíbrio gerado já está deslocado da direção onde se encontra o erro ou o corte fatal, imerso nas consequencias geradas pelo não entendimento do que se está a perdoar e não aponta para a superação.

Entender o que se procura perdoar se torna fundamental para que o ato se torne real.  O entendimento e a percepção de que essa busca trará um fim benéfico, tanto para quem perdoa, como para o perdoado, ou para os sujeitos que se encontram em ambas as posições, precisa ser visualizado de forma clara. É nesse ponto onde se inserem as perspectivas do destino, pois em muitos casos será preciso construir conjuntamente o perdão, considerando seu objetivo de deixar as portas abertas às futuras vivências, que devem caminhar separadas do ponto fatal passado. Logo, o ato de perdoar será uma tentativa de viver um futuro não traumático em que os envolvidos se sintam compensados pelo esforço do perdão. É com as compensações que se constrói um futuro. Se um objeto importante é quebrado ou extraviado, o compensar se dá em torno da reposição em medidas de igual valor. O mesmo se dá com relações afetivas, onde a moeda de troca se constitui valores como fidelidade, dedicação, prazer, alegria, conforto e proteção. Se não há valores envolvidos, a importância foi perdida em algum lugar do passado. Logo, a compensação não será sentida e vivida, o que tomará por força o sentido da reconciliação e as perspectivas se farão ausentes. Essa é a grande diferença de um perdão por afetos e por danos materiais. As pessoas necessitam de perspectivas que lhe dêem sentidos concretos para continuar no esforço e na construção, enquanto um dano material pode ser reposto imediatamente. Por isso, considerar os benefícios na reconciliação, somente em partes, tratando de pontos que não envolvem o conjunto dos desencadeamentos, ou ainda somente atentando aos pontos que dizem respeito à si próprio, não dará chances para a reconstituição e possíveis melhorias. Mais uma vez, é preciso lembrar que não se perdoa por se perdoar, ou seja, não se faz disso um acordo banal baseado na moral cristã, quando, de fato, a necessidade sincera sentida no interior e refletida nas ações, comportamentos e ações externas, é a motriz dessa busca. Se os fatos são relevantes, a busca deve ser séria na superação dos problemas. Perdoar significa doar-se de todo coração. O perdão é estar livre de amarras, é estar pronto a tentar novamente.