quarta-feira, 22 de março de 2017

Na feira, atrasado, comprando niilismo.


- Oi amigo, só temos agora as bacias, que estão 2 reais, fica à vontade.
- Ok. Acho que vou levar essa de uvas e essa aqui lotada de bananas, pode ser?
- Claro claro, vou colocar na sacola pra você.
- Não precisa, eu trouxe essa aqui.
- Ah, um amigo do meio ambiente!

***
 

(...) Na verdade, não sei se isso configura amizade. Talvez se eu já estivesse morto e minha massa enterrada de forma não prejudicial a terra ... Só tenho um costume simples de carregar uma sacola de algodão. Você sabe como é feito o algodão e como as fábricas desperdiçam grandes potenciais da matéria prima pra manter um padrão e uma textura que foi dita ser agradável ao nosso toque? Inclusive, o que foi pensado e vendido como grande solução à essas porcarias plásticas, só foi levado à cabo porque daria lucro indiretos para alavancar estratégias maiores de consumo. Entenda que existem campanhas de um 'capitalismo verde' que vão lhe desviar o foco de outras questões mais urgentes e importantes. Nada aqui é vendido para realmente beneficiar algo que não seja um egoísmo desenfreado que fecha as mentes em torno de pequenos contos irrisórios de felicidade, atrelados à dinheiro e ganância. Além disso, tem gente que coleciona sacolas de algodão, entende como isso não faz sentido? Entretanto, essa aqui, por exemplo, foi roubada. Eu peguei ela em outro continente, mas a gente viaja de avião, que derrama uma quantidade de combustível fóssil que nem imaginamos, somente pra irmos ao outro lado do mundo em algumas horas. Sabe, ausentar-se do trabalho e de manter essa economia bizarra girando é inaceitável às pessoas que decidem até quais serão os meios de transporte de todo mundo, com propagandas que nos tapam até a imaginação; é proibido até sonhar com outros meios de viver. Em todo o caso, eu percebi que a sacola estava sem uso, talvez por ter essas pequenas manchas e recuperei do ócio pra dar à ela uma função. Esse é um ato inimigo do capitalismo. Se quiser me chamar disso, eu ficaria mais lisonjeado, mesmo sabendo da insignificância que carrego. Mas (...)

***

- É - Levantei as sobrancelhas e contraí os lábios por um segundo, fingindo uma expressão neutra e olhando nos olhos do rapaz que atendeu - Um amigo.

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