domingo, 20 de maio de 2012

Quando se tem apenas uma vida

De repente - ou quase como um conto infantil - num belo dia começou a dar uma certa importância a um fato que tinha passado desapercebido em todas as vezes que se pegava pensando na situação em que deixou cair sua vida. Não soubera dizer até o momento qual seria a intensidade em que deixaria isso fazer parte de seus pensamentos, mas pensou que era um viés que ainda não tinha reclamado e achou que teria algum proveito. No fundo, já sabia de antemão que pensar em ramificações de problemas passados, por mais diferentes que fossem dos ângulos já vistos e revisitados insistentemente, não afetaria o que achou por bem defender: o seu presente. Mas também sabia que, indesejado que fosse, não conseguiria livrar-se dos pensamentos e das horas de angustias apenas desejando; teria que enfrentar aquilo. A consciência dizia essa frase de forma clara e objetiva, era uma parte do seu ser se impondo ao todo, exigindo o respeito devido.


Quando percebeu a clareza do enfrentamento porvir e da tomada de posição evidentemente necessária, esqueceu-se por um momento de como dialogava com o seu amor (ou a figuração mais longa em todos os anos) e pensou nas relações de amizades. Como dialogava com todos e todas? Percebeu que muito tempo viveu apaixonado pela ideia de ser feliz, pelo mito da busca da felicidade. Sabia bem que construir era a solução, não buscar, ou procurar. Desde sua adolescência procurava incorporar linguagens que o apoiassem como dono do destino, como o ser verdadeiramente construtor do caminho que traçaria. Percebia a importância da linguagem nas ideias quando terminou de ler "Deus e o Estado", de Bakunin. Mas voltando a pergunta, somente pôde levantar algumas hipóteses preocupantes. A possibilidade de 'ser feliz' o fez automaticamente abandonar preocupações de como as pessoas o olhavam, de como enxergavam suas limitações, suas manias e seus constrangimentos. Foi por um tempo o mais natural que o termo permite ser, apenas viveu cuidando da preocupação da tal felicidade. Mas agora que ela foi embora, os olhares voltavam com um tom muito mais pesado do que já esteve um dia acostumado. Isso o perturbou, mas de uma maneira positiva. Pensou que poderia ainda usar o verbo construir para recuperar a confiança em si mesmo e assim mostrar claramente para alguns próximos - alguns que perderam o encantamento por ele, talvez com razão, pois o que se via nesse personagem era sua perdição, seus altos e baixos no meio de uma trama obscura - que a fortaleza se refaz, sem problemas.

Mas não pensava em outra coisa, não ousava deixar de lado essa ideia que chegou subitamente. A marcha para salvar as florestas passava enquanto mantinha o livro em mãos, erguendo os olhares algumas vezes para os transeuntes ou quando as falas se exaltavam no megafone. Ao ver os cartazes, com o raciocínio veloz, pensou: pedem a uma presidenta de forma pacífica, a chefe de Estado de um órgão não pacífico, sobre uma questão que nunca foi pacífica para o homem civilizado: a propriedade da terra. Mas votam de forma pacífica, caminham de forma pacífica, aceitarão de forma pacífica o que acontecer. Os sons começavam a se confundir e a leitura começava a ficar distante. A marcha de Jesus, ao fundo, concentrava duzentas vezes mais pessoas. Não se conformava com a disparidade e só conseguiu acalmar-se lembrando de métodos teóricos que explicam o passado e a formação do pensamento presente. Dessa forma, pôde ao menos respirar desobstruído de tamanha antipatia e irritação com as ações populares da manhã. Era disso que precisava, métodos que sirvam para o presente, mesmo que remexam nas coisas sensíveis desse passado que tem como ingrato.

Estamos falando dos acasos. Era isso que pensava. Quais foram os acasos que os fizeram se encontrar, se conhecerem, se amarem e se separarem? Sabia que existiam muitos. Também sabia que esse modelo simples repetitivo de encontro, vivência e distanciamento, fazia parte da não declarada frieza de um estranho, porém seguiria essa linha de raciocínio para não voltar a usar métodos que o enlouquecera por terem sido usados com ansiedade extrema. Pensava nessa possibilidade por se encontrar num dia em que conseguia perceber no seu andar passos lentos e sem nenhuma pressa de observar os arredores, coisas simples que não apreciava há algumas semanas. Mas alguns acasos eram tão insignificantes que tentou deixar de lado, tentou escondê-los do seu raciocínio por medo de perder a oportunidade futura de dizer à seus filhos ou netos: "Uma vez eu tive uma companheira, nos encontramos por motivos belos e, saibam que esse é o melhor sentimento que um homem pode ter. Vocês devem buscar um dia a vivência do companheirismo, entender verdadeiramente o que essa palavra significa". Outros eram quase acasos previsíveis. Em certas épocas, e isso só soube tempos depois, não prestou atenção suficiente em sua amada e deixou de ser o construtor da aliança. As alianças não são círculos perfeitos, elas possuem sempre um vão e, mesmo microscópico, ele pode se expandir rapidamente, basta um deslize, algo que crie uma visão estranha do todo ou ainda um simples acaso. Os acasos não vão lhe explicar muita coisa, além de deixar dúvidas em como a vida poderia ser hoje, ou como poderia ter sido. Talvez perderá algum tempo, eu suponho que será pouco, pois tem claramente para si que existe apenas uma vida e de nada adianta pensar no "se". A história não ensina usar esse termo, pois não há duas vidas, não existem duas possibilidades. Ninguém pode saber a força de suas escolhas quando se tem apenas uma vida para viver. Não existe o campo do teste e o campo da realidade. O que é escolhido, foi escolhido. O que aconteceu é o que aconteceu.

Por fim, fechou o livro e caminhou, tomando um caminho mais longo de volta para casa. A escolha era um acaso, mas um acaso que buscava esperança em algo que não pode ainda imaginar.

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