Ninguém se atreve
a explicar como começa. É quase como um mistério, você se arrisca
em palpites que fazem pouco sentido ao mesmo tempo em que tenta
construir na mente um caminho que lhe entregue uma resposta. Mas nada
vem de graça. A verdade é que perder sentidos – pode supor e se
apegar à pluralidade dessa frase – não faz sentido. O máximo que
você consegue é imaginar o fim repetidamente; mas é doloroso de
uma forma que, ou você acaba logo com isso ou se convence de uma
saída sem glória alguma para continuar vivo: os enigmas permanecem
e enganar-se a si mesmo monopoliza o pensamento. Pelo menos é o que
parece. O problema dos monopólios, em geral, é que as aspirações,
vontades e os poderes não existem para serem presos a um só laço
ou a um só dono. A natureza é dura e ela joga contra na maior parte
do tempo - não se engane com papo new hippie, a coisa é séria e te
mata em dois segundos. Portanto, sempre haverão brechas e hora ou
outra tudo vem contra; inclusive contra os monopólios de
'pensamentos auto-enganadores'. (…) Acho que agora fez sentido.
“Já não sabia
contar os dias, mas lembrava da ultima insônia forte. Sabia que
sentia-se cansado havia dias e que a ausência de reflexões em
silêncio, que tanto lhe ajudam a se recompor, poderia lhe tirar um
pouco mais do senso. Mas estava difícil supor que nada do que se
mostra real teria forças para acabar com um momento de perda
inevitável do que se chama sentir. Um olhar, uma ficha com o nome,
um cumprimento ou um cartão de crédito que acusa o nome completo e
nada convence. Todas as atividades no trabalho ficaram automáticas e
mau executadas; perdeu o foco. Por horas esteve ao alcance da visão
uma pessoa que lhe falava assuntos pessoais há dias, onde existia um
comprometimento e sentia-se incrivelmente à vontade para expor falhas, derrotas,
angústias.
Aconteça o que acontecer, o que se vive de verdade é o
que a vontade imprime em nossas horas de prazer. Deixar-se perder.
Não dormiu por
estar assustado. O que acontece quando deita sozinho e se enxerga
sozinho num mundo em que os olhos não sabem mais o que estão perdendo
de enxergar? Não pensava em outra coisa. Pediu desculpas pela
'mancada'. Não se sabe ao certo que impressões deixou, mas alguma
onda de atenção mútua correu pela madrugada e os sorrisos que
vieram deixaram a noite acabar em sono tranquilo. Tranquilo até
acordar e começar a duvidar de mais obviedades da natureza.
Dias se seguiam e
nada de retomar a confiança. 'Quando confiei?'. Quem vira na rua
hoje? Não sabia mais de nada, não queria mais arriscar dizer que tinha certeza.
Queria ler textos de filosofia, mas já sabia que não tinha tempo –
todo mundo já sabia disso, só fala disso o tempo todo. Então
lembrou-se da melhor experiência em uma aula da faculdade. O
professor desajeitado, cabeludo, óculos fundo de garrafa, desistente
do 4º ano de medicina da USP para ser filósofo - e que desagradara
ainda mais os pais colando folhas do 'Anti-Cristo' de Nietzsche nas paredes de casa - propôs colocar as mãos em três bacias com água em
temperaturas diferentes até que o cérebro parasse de tentar
entender o que era real e o que era outra coisa.
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