Vocês
também fazem algumas coisas calculando o tempo que vai levar, pensando
em algum destino final, que seria o seu próprio tempo de descanso ou um
simples encaixe para próximas tarefas?
Eu
não sei, já tive épocas em que eu listava com caneta minhas obrigações
diárias/semanais e sentia o maior prazer em riscá-las quando resolvia.
Não que eu tenha perdido a prática, isso ainda me deixa um sentimento de
dever cumprido ou algo que o valha, mas alguns dias são tão pesados que
simplesmente não há o mínimo foco pra nada. Na verdade, não há uma boa
explicação para a falta de organização, mas o fato é que, então, eu
troco a lista por um tempo de silêncio deitado na cama ou sofá, até que
as coisas se organizem na mente e que eu saiba que quando eu levantar, o
foco vai estar lá e aí eu sei o que fazer. Você deve estar pensando:
“Um tempo? bom, isso é relativo! Queria deitar por seis meses e aí eu
descubro”. Pois é, mas o que ocorre é que estou falando de coisa de dez
minutos, não pode ser muito mais. Ou poderia, mas aí teríamos que
começar um novo texto sobre política, sociedade, cidades, trabalho e
como tudo isso afeta nosso tempo e organização pessoal. O que vai ser,
afinal, dessa introdução?
Eu
tomei uma tempestade hoje, e o texto é só sobre isso. Entendeu? Eu não
sei como aconteceu, pois, mesmo que seja difícil pôr em palavras,
acreditem que eu tinha tudo programado. Mas aí uns dias atrás eu soube
que precisaria pagar uma conta da viagem passada. Eu já tinha esquecido
dessa e agora, acabei de lembrar de outra. Oitenta e sete reais pra um
amigo, vou mandar mensagem avisando que não esqueci - Ok, avisado. Na
viagem, deixamos cair um dinheiro coletivo e estamos pagando até agora
essa brincadeira. Tinha outra conta, de uma passagem de ônibus que
comprei num cartão de crédito de outro amigo. Eu não uso essa ferramenta
acreditando me safar de umas roubadas, mas aí hora ou outra, me submeto
do mesmo jeito; exatamente igual, ou pior, quem sabe. Mas bem,
transferi, voltei pra casa e mandei o comprovante. Ao mesmo tempo abri
um e-mail com o reaviso de débitos da luz. Não dei muita bola, uma hora
eu iria deitar novamente naqueles dez minutinhos e aí lembraria, daria
um jeito. E foi hoje, mas hoje foi alguns dias depois de eu raspar um
carro que não me pertence e descobrir a conta que viria nisso. Hoje
também foi alguns dias depois de perder bastante dinheiro a troco de
driblar burocracias para poder continuar trabalhando - e pagando contas.
Mas não pense em crise, pense que existem uns boletos e que o céu
estava ficando muito escuro e o vento aumentando.
A
lotérica perto de casa era perfeita pra minha conta de tempo, cálculo,
cumprimento de tarefas e enfim, destino. O vento aumenta, três pessoas
na minha frente. Tá tudo certo, mas, espera! “Cadê aquele senhor que
fica sempre no caixa número três? Ele é muito ágil”. Tem pessoas que
curtem mesmo fazer as coisas rapidinhas, eles mandam uns movimentos de
mãos que desacreditaria qualquer futurista do século passado que vivia
falando dos robôs fazendo absolutamente todas as tarefas dos
humanos. Trinta segundos se passam, o vento aumenta e o céu fica ainda
mais escuro, mas uma pessoa termina o atendimento, então tá tudo certo
ainda.
“Quero
a mega sena hoje! Acumulou, é? Mas que belezinha!”. De trás, na fila,
me sentindo pequeno, lanço um olhar que refletia tanto a realidade das
ínfimas chances daquela pessoa ficar rica, como minha pobre inveja da
posição dele no atendimento. Mas aí a pessoa, que nessa altura já me
irritava, decide jogar em outros dois jogos! O tempo passando e eu
começando a crer que talvez ele tenha alguma chance de ganhar, afinal.
Outra pessoa é chamada no caixa um, serei o próximo. Já um pouco
desesperado, tentando refazer contas do tempo dentro da minha cabeça,
uma senhora entra com um guarda chuva virado ao avesso e fazendo algum
comentário comum sobre o vento e água atacando de lado. Mas ok, eu
escutei garoa, não deixava-me abater. As duas pessoas que estavam sendo
atendidas saem juntas e tenho a oportunidade de escolher para onde
vou.
Obviamente,
já tinha notado que a mulher do caixa um estava mais focada e pra que
ir no dois, se o um está aberto? É a ordem do mundo, quem sou eu nesse
momento pra desafiar?
Papéis
em mãos, deixei eles retinhos pra passar rapidasso naquela fresta entre
os dois vidros. Vocês já viram como sempre enrosca? Pois é sempre uma
batalha difícil, mas não para quem estava perdendo a guerra do tempo e
se preparou intensamente para aquele momento. Os papéis entraram
rapidamente, sem nenhuma contenção. Já aviso que é débito, que pode
somar tudo. “Ah, tem esse condomínio atrasado, preciso calcular aqui”.
Sim, estava tudo atrasado! As contas, a vida. Porém, a calculadora é
daquelas grandes, com teclas que não correm o risco do dedo
acidentalmente bater em lugar não desejado e o resultado sai de
imediato. Vai dar tempo, pensei. Mas faltava ainda outros boletos,
quando por alguns segundos eu entrego-me ao pensamento de que “talvez eu
tome uns pinguinhos, mas nada demais”. A esperança é mesmo a ultima que
morre, já diria a sabedoria popular.
E
assim morreu. Começou a chuva de uma maneira muito intensa, com muitas
rajadas de ventos que traziam água até 5m pra dentro da lotérica,
contando com 1,40m da marquise. Não poderia acreditar e perdi
completamente meu foco interno dos cálculos e de toda minha programação
de chegar em casa seco, fechar as janelas, comer alguma coisa, sentar no
sofá, ligar o computador, ler alguma besteira pra depois ver o que
faria no resto do dia. O mundo caiu, que não consegui ficar quieto e
desabafei com a mulher que me atendia. Ela não deu a mínima, eu entendo.
Eu só falei sorrindo, numa mistura de tragédia e comédia exposta num
semblante decepcionado que, achava que não iria me molhar hoje.
Apenas caminhei no caminho. Me molhei; bastante. Mas, deixe que chova.
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